Do Livro para a Telona

, em sexta-feira, 28 de outubro de 2011 ,
Um dia desses, meu irmão mais velho - que foi quem me apresentou ao mundo das partidas de D&D e RPGs em geral - estava conversando com a minha pessoa e disse que tinha assistido um filme de dragões muito bom. Eu gosto de dragões, sabe. Claro que eu fiquei interessada. Pedi para ele elaborar a respeito, toda empolgada, e o mano aquiesceu, dizendo que era o filme de um menino loiro com um dragão azul e uns orcs muito feios.

Nessa hora, eu gemi de tristeza. Porque é claro que ele estava falando de "Eragon".

Não me levem a mal, eu entendo porque as pessoas gostaram do filme. É a mesma razão que fez muitos apreciarem a adaptação do "Ladrão de Raios" de Percy Jackson - pelo o simples fato de não terem lido o livro que deu origem ao filme (como é o caso do meu já mencionado irmão mais velho). Se não leram o livro, não podem sentir falta do que há nele.

Como esse é o meu primeiro post nesta coluna, vou construir o alicerce que sustenta a maioria das minhas opiniões sobre livros que viram filmes: adaptações nunca serão perfeitas. Podem ser fiéis, podem ter mudanças compreensíveis, podem ter um roteiro fantástico e nada a ver com o livro original, mas nunca, jamais deixarão todos satisfeitos. Especialmente se já houver um fandom definido e pronto para chiar diante da menor alteração na história ou na caracterização dos personagens.

Afinal, nem mesmo a adaptação de "O Senhor dos Anéis" foi perfeita, né. E olha que foi a melhor de todas. (Mas isso é assunto para outro dia.)

Dito isso, e levando em conta todo o trabalho de roteiro, efeitos especiais, escolha do cast, publicidade, fotografia, atuação, etc, etc, a verdade é que Eragon não foi um bom filme. Serve para entretenimento, sim; nível "Sessão da Tarde", mas serve. Entretanto, o filme descaracterizou tanto a história no qual é baseada que, quando as luzes do cinema acenderam ao som de Avril Lavigne, eu falei: "mas que droga foi essa?".

O começo até que não foi dos piores: entendi e aprovei a ideia de colocar uma introduçãozinha visual da guerra dos Cavaleiros de Dragão contra o Galbatorix. Infelizmente, os benditos roteiristas acharam que esse prólogo cinemático dava deixa para uma narração sequencial de apresentação dos personagens que ficou MUITO. TOSCA. Mostrava o Durza com a Arya, e depois o narrador dizia que "enquanto isso, numa floresta tão, tão distante, um molequinho arqueiro espreita sua caça!!! Ignorante de seu INCRÍVEL FUTURO!!!!" (tá, não foi exatamente isso, mas). A narração só serviu mesmo para me dar vergonha alheia do filme, porque depois do comecinho ela para e não volta mais.

O pior de tudo é que, se não fosse por essa narração esdruxula, o começo do filme teria ficado muito bom, já que o diretor optou por alternar os acontecimentos do prólogo (Arya sendo atacada pelo Espectro e depois mandando o ovo de dragão para longe) com os do primeiro capítulo (Eragon caçando na Espinha e achando o ovo da Saphira), que realmente aconteceram simultaneamente.

Só que eu gosto muito de Eragon, e relevei isso. Porque não estava terrível. Ainda. Relevei até mesmo os Urgals, que estavam parecendo um projeto malfeito de Orc do "Senhor dos Anéis".

Infelizmente, o filme fez o favor de me decepcionar sem parar daí para frente.

Eragon chega na vila, que não parece Carvahall, e quando tenta vender o ovo para o açougueiro, o filme não introduz a Katrina. Ou seja, não dá deixa para a história do Roran. Ignorei magnanimamente porque não tinha como eles apresentarem todos os personagens; é muita gente, acontece nos melhores filmes. Aí mostrou a fazenda do Eragon, ele interagindo com o Roran e, minha nossa. Os diálogos foram tão fracos que deu vontade de bater a cabeça contra alguma superfície sólida.

Só que, mais uma vez, eu engoli minha frustração, já que o Roran só viria a ser importante mesmo em Eldest, e a cena cumpriu seu propósito de caracterização. No entanto, o ovo de dragão se partiu e o filme de deu um tapa na cara.

A cena da Saphira nascendo é legal; Eragon tocando nela e recebendo a marca do Cavaleiro, desmaiando, o CG da dragãozinho, enfim, a cena foi bonita, apesar de ter desviado bastante do livro. O problema veio depois, quando o filme começou a mostrar o desenvolvimento da Saphira. E o verbo mais apropriado mesmo é "começou", porque nunca terminou que preste. As poucas cenas que mostram o Eragon cuidando de seu filhote de dragão são rasas, sem mostrar sequer a dificuldade que ele enfrentou, ou passar para o telespectador aquele laço, aquela interação cativante entre o protagonista e Saphira.

Esse foi um dos piores problemas do filme, que persistiu no roteiro na maior parte do tempo: não souberam traduzir para a tela o coração da história, que é a relação entre o Cavaleiro e o Dragão. Não houve o sacrifício gradual de Eragon para alimentar e esconder a Saphira e, para poupar tempo, fizeram o dragão alçar voo e crescer magicamente dentro de uma nuvem. A bichinha voa, entra num cúmulo-nimbo e CABRUM! Temos um dragão maduro falando com a voz da Rachel Weizs.

Essa parte realmente me matou, e o que veio a seguir não conseguiu salvar minha sessão de cinema. A morte do tio e a fuga do herói foi feita de qualquer jeito, e o diretor preferiu ficar fazendo tomadas aéreas das paisagens ao invés de centrar no desenvolvimento da relação entre o Brom e o Eragon. O treinamento até que foi engraçadinho e divertido, mas parece que não acharam interessante demonstrar que a galera de Alagaësia tava em guerra, né. A cidade destruída pelos Urgals não teve nem um quarto do impacto que deveria ter tido de acordo com a descrição do livro (que tinha até um bebê empalado numa lança).

Cortaram tanta parte legal do livro (Dras Leona, em especial) para colocar coisa inútil que me dá até gastura só de lembrar. A morte do Brom e a aparição do Murtagh até que foram passáveis, mas quando chegou no momento do resgate da Arya... Só mesmo minha teimosia me impediu de levantar do cinema e ir embora.

Quem diabos achou que era uma boa ideia colocar a Sienna Guillory como Arya? Sério? Aliás, o problema não está essencialmente nela. O problema está no fato de não terem sequer se esforçado em caracterizar a atriz como a personagem. A Arya tem os cabelos escuros, os olhos verdes, as orelhas pontudas, e a Sienna estava loira e nem um pouco élfica naquele filme. A cena dela correndo serelepe e saltitante pelas árvores durante o sonho do Eragon foi meio ridícula e não aconteceu no livro. Eu fiquei na dúvida se os produtores tentaram evitar ou incentivar comparação da personagem com a Arwen de Senhor dos Anéis.

(Para mim, a Arya devia ter sido feita pela Kristin Kreuk mas, né, quem sou eu.)

O engraçado é que os caras até que estavam seguindo um fantasma do livro nessa parte, sabe. Só que a execução foi tão desleixada que nem valeu o esforço. As coisas que estavam acontecendo não foram explicadas direito, as cenas se atropelaram e, quando menos se espera, o Eragon já estava dentro das Beor, Farthen Dûr, etc. Por sinal, um minuto de silêncio para a cidade dos anões, por favor. Porque ela não apareceu no filme. O que apareceram foram uns andaimes de madeira. Mais uma vez, acho que ficaram com medo de serem comparados à Mória de Senhor dos Anéis.

Novidades para todo mundo que se dignar a filmar épicos fantásticos: seus filmes serão comparados ao Senhor dos Anéis, queridos. Conformem-se.

Enfim, veio a batalha, que até foi legal, se eu não tivesse chorado lágrimas de sereia pela falta de eventos como a sequência de luta do Eragon contra o Durza como ela reeealmente aconteceu. Aliás, houve uma mega inversão de acontecimentos aqui: enquanto o livro mostra a Saphira vindo ao resgate do cavaleiro dela, quebrando a flor de cristal do teto em entrada dramática e tal, no filme é ELA quem fica prestes a morrer e precisa ser salva pelo Eragon. Quando eu comentei essa parte com o meu irmão (aquele lá do primeiro parágrafo), ele disse que se importar com isso era frescura minha.

Eu respondi dizendo que essa troca é o equivalente de fazer o Samwise carregar o Um Anel ao invés do Frodo. Não sei se vocês concordam comigo.

De qualquer forma, depois disso tudo eu já estava deprimida, me perguntando se o Christopher Paolini tinha conseguido conviver com a existência daquele filme. Para o meu desespero, o fundo do poço era ainda mais embaixo: o filme encerra com o Galbatorix carequinha e patético dando um ataque de pelanca e, OOOOH, puxando uma cortina para revelar um olho amarelo gigante. Depois, quando a tortura visual finalmente acaba, tchanram! A Avril Lavigne começa a cantar os créditos finais.

Nada contra a Avril, adoro ela, adoro "Keep Holding On", mas há uma hora e um lugar para cada tipo de música, NÉ. Skater-rock não é nem um pouco apropriado para filmes com cavaleiros, espadas, dragões e magia, queridos diretores. Pelamordosdeuses. Mas, sei lá, como diz o ditado: estando no inferno, abraça o capeta.



O LADO BOM:
  1. Ed Speeleers como Eragon, porque ele é lindo e soube fazer o jeito meio caipira do protagonista. A atuação dele foi convincente, apesar dos diálogos, do roteiro, das locações, enfim, do FILME destruir o esforço do rapaz.
  2. Garrett Hedlund como Murtagh, porque ele também é lindo e foi o personagem que mais se aproximou do original em termos de caracterização e atuação.
  3. Jeremy Irons como Brom, porque, apesar de ele não ser lá compatível com a descrição do Brom, ficou até mais legal do que o original e não perdeu aquela veia irônica que fez o personagem ser amado.
  4. Rachel Weisz dublando a Saphira, porque ela soube captar a cadência da voz da personagem e dar personalidade decente para um bicho feito em gráficos de computador.
  5. Os CGs da Saphira estavam muito bem feitos. O que faltou em maquiagem sobrou em computação gráfica, nesse filme.

O LADO RUIM:
  1. Sienna Guillory como Arya, porque, como já dito, ela não foi a Arya, só o interesse amoroso loiro do protagonista. E nem parecia uma elfa.
  2. O Galbatorix CAREQUINHA e irritadinho com jeito de vilão de filme infantil. Fala sério, é pro tio Galby ser o vilão supremo do mal das trevas, né, mas o cara tava mais para Pink e Cérebro do que qualquer outra coisa. Até no poster o cara tá no cantinho, atrás do Durza. Destruiu completamente a moral do antagonista.
  3. A Joss Stone pode ser linda, mas não é a Angela. Ela parecia mais uma cigana de circo do que uma feiticeira biruta que guarda ossos de dragão num saquinho.
  4. Os Urgals. Não têm NADA A VER com os do livro. Eles parecem os homens de massa dos Power Rangers e são igualmente burros.
  5. A evolução da história foi completamente mutilada com a retirada de acontecimentos reais do livro para a invenção de eventos novos por parte dos roteiristas. Tiraram tanta coisa importante que tornaram a produção de Eldest um acontecimento quase impossível, bem ao estilo Percy-Jackson-e-cadê-o-vilão-do-livro-pra-fazer-continuação-cadêêê?
  6. A imensa falta que o desenvolvimento do laço entre a Saphira e o Eragon fez. Uma hora ela era uma lagartixa azul comedora de ratos, e outra hora ela já era um dragão azul que sabia falar telepaticamente. A afeição entre eles deve ter surgido por geração espontânea, né.
  7. O diretor achou que filmar paisagens bonitas de cima poderia substituir a construção de cenários fiéis aos locais que aparecem no livro. Especialmente na parte final, em Farthen Dûr.
  8. "Keep holding on" NÃO combina com histórias de capa e espada. Tendo milhares de bandas de folk-music disponíveis por aí, poderiam ter escolhindo uma música tema bem mais condizente com a situação.
  9. O medo de ser comparado ao "Senhor dos Anéis" fez com que a comparação inevitável deixasse Eragon com fama de filme B. Se tivessem menos medo da comparação e mais fidelidade ao livro, o estrago seria muito menor.

É, esse aqui foi pro Dark Side.

Larissa Justo

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